Para ex-ministro da Educação, o Brasil viveu 50 anos de “avanços homeopáticos” 

O que o Brasil precisa para atingir o patamar dos países mais desenvolvidos do mundo quando o assunto é a educação básica? Para o ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, a resposta passa, necessariamente, pela implantação de um sistema federal que substitua “os quase seis mil desiguais e sem qualidade sistemas municipais”.

Engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político, Cristovam foi o criador do Bolsa-Escola, quando ainda era governador do Distrito Federal. Ex-reitor da Universidade de Brasília, assumiu pasta da Educação no Governo Federal entre 2003 e 2004, primeiro mandato do presidente Lula. 

Com a autoridade de quem já encarou o desafio de conduzir as políticas educacionais do país, Buarque afirma que a educação básica brasileira registra uma melhora lenta com “agravamento das brechas entre ricos e pobres, entre o Brasil e o resto do mundo e entre o que se aprende e o que é preciso aprender para a alfabetização contemporânea plena”.

Confira a entrevista concedida por Cristovam Buarque antes da sua participação no Webinar “A importância do uso de dados e evidências na qualidade da Educação Básica”, evento que contou com o lançamento do Atlas da Educação – Cidades Médias Brasileiras.     

Que lições o Brasil pode aprender a partir do seu histórico de utilização de e evidências para a definição de políticas públicas voltadas à educação básica?
Cristovam Buarque – Pode aprender que elas permitiram melhorar a tragédia da educação brasileira, mas não nos permitiram saltar para estarmos entre as melhores e mais equitativas educações do mundo. Avançamos ficando para trás em relação aos outros países que avançam mais que nós. Avançamos, mas aumentando o fosso entre ricos e pobres, que melhoram mais devagar que os ricos. Aprendemos também que nossas melhoras sempre decorreram de políticas nacionais, mesmo quando usadas melhor por alguns municípios.

Neste contexto, quais foram as principais políticas adotadas e que resultados trouxeram?
C.B – A ideia da bolsa escola/família de vincular a renda à frequência às aulas, mesmo sem muito rigor com esta condicionalidade, ajudou no aumento de matrículas e frequência nos últimos anos. As vinculações orçamentárias, Emenda Calmon, Fundef, Fundeb, ajudaram no financiamento. Merenda e Livro Didático tiveram impacto na frequência e no aprendizado, e a Lei do Piso Salarial contribuiu na qualificação e dedicação do professor. Todas essas leis são federais. Alguns governos municipais e estaduais adotaram cuidados para enfrentar a alfabetização na idade certa e ampliação de escolas em horário integral. Também tivemos progressos com o programa de formação de professores. São 50 anos de avanços homeopáticos, mas sem a revolução da criação de um Sistema Único Público Nacional de Educação de Base.

E no sentido inverso, quais foram os nossos principais desacertos? 
C.B – O pior erro é esconder a realidade, comemorando as melhoras sem perceber o atraso que se mantém. É a falta de ambição que impede nos compararmos aos melhores do mundo e nos mantém comparando os municípios entre eles, os melhores com os priores. Além disso, há o erro de proteger as falhas, como, por exemplo, a aprovação automática para esconder a tragédia da repetição de ano escolar. Outro erro é termos atrelado a educação de base aos interesses do ensino superior, deixando os cursos de Pedagogia e licenciaturas sem compromisso com a qualidade da escola primária ou secundária.

Quais são os principais desafios da educação básica na atualidade e como os dados e evidências podem pautar as políticas públicas para que tais desafios sejam superados?
C.B – Depende se queremos apenas continuar na lenta melhora com agravamento das brechas entre ricos e pobres, entre o Brasil e o resto do mundo e entre o que se aprende e o que é preciso aprender para a “alfabetização contemporânea plena”, ou se queremos dar o salto na direção de termos uma educação entre as melhores do mundo e os filhos dos pobres em escolas com a qualidade das escolas dos filhos dos ricos. Se for para este salto, será preciso executar uma estratégia de médio prazo para implantar um Sistema Único Público Nacional de Educação de Base. Substituindo, por cidades, os quase seis mil desiguais e sem qualidade sistemas municipais por um sistema federal, garantindo descentralização gerencial por escola e liberdade pedagógica por sala de aula. Para dar a máxima qualidade, este sistema precisa investir R$ 15 mil por aluno/ano, com uma nova carreira nacional do professor pagando R$ 15 mil mensais, adotando exigência de prática pedagógica prévia à
contratação. Além disso, todas as escolas precisam funcionar em edificações com elevados padrões de qualidade, inclusive esportivos e culturais, com os mais modernos equipamentos tecnológicos, e em horário integral. Em 20 anos, os 50 milhões de alunos em 200 mil escolas custariam R$ 750 bilhões por ano. Se o PIB crescer neste período a 2% ao ano, o novo sistema custará menos de 7% do PIB. Apenas 2 ou 3 a mais do que a percentagem gasta atualmente.

A pandemia trouxe um novo desafio neste contexto? É possível mensurar as perdas educacionais para uma retomada pós-covid?
C.B – Certamente piorou, mas a situação já era tão ruim que não havia muito a piorar. Foi como um terremoto em uma comunidade de alguns palácios rodeados por casebres, sem água e esgoto. A desigualdade vai se ampliar pela demora das escolas públicas voltarem ao sistema presencial e terem menos condições para adotar sistema remoto. Além disso, o sistema privado vai se recuperar mais rapidamente.

Fonte: Assessoria de Imprensa