O primeiro caso de reinfecção pelo novo coronavírus no Brasil ocorreu em julho do ano passado e atingiu uma técnica de enfermagem, de 40 anos, que reside em Aracaju. O estudo que comprovou a suspeita foi publicado na última sexta-feira, 12, no Journal of Infection.
A profissional de saúde testou positivo para o Sars-CoV-2 duas vezes no intervalo de 54 dias, entre maio e julho do ano passado. Ela realizou dois testes RT-PCR, considerado o método padrão ouro para diagnosticar a infecção pelo novo vírus.
Um dos líderes da descoberta é o professor do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e chefe do Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular (LIBM) do Hospital Universitário de Sergipe (HU), Roque Pacheco de Almeida.
Segundo o doutor na área de imunologia celular, após observar que a paciente testou positivo pela segunda vez, o próximo passo foi preservar as amostras genéticas do exame, coletadas por meio de secreções do nariz e da garanta. Em seguida, o material foi enviado ao Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde foi feito o sequenciamento genético.
Embora a nota técnica nº 52/2020 do Ministério da Saúde estabeleça de maneira preliminar que é considerado caso suspeito de reinfecção o indivíduo com dois resultados positivos por meio da técnica de RT-PCR em tempo real para o vírus SARS-CoV-2, com intervalo igual ou superior a 90 dias entre os dois episódios de infecção, a análise do genoma viral da profissional de saúde apontou a existência de sequências genómicas filogenéticas diferentes nas duas amostras, comprovando a reinfecção.
“Nós identificamos duas infecções ativas na paciente num intervalo de quase dois meses, apresentando uma baixa carga de anticorpos IgG, sendo que no segundo caso os sintomas foram um pouco mais graves, mas com boa recuperação clínica,” explica Roque.
“Trata-se de uma variante do vírus apontada no resultado do segundo exame da paciente, mas ainda não sabemos do seu potencial de infectar mais pessoas ou com maior gravidade. Precisamos identificar outros casos clínicos com essa mesma variante e analisar os aspectos clínicos e epidemiológicos,” acrescenta o pesquisador.
Recorrência em profissionais de saúde
A recorrência de contaminações em profissionais de saúde chamou a atenção dos pesquisadores, que passaram a analisar os casos através de dois projetos de monitoramento: Monitora Corona, no qual estudantes de medicina acompanham os sintomas dos pacientes por telefone a cada 24h ou 48h, registrando os detalhes em uma plataforma online; e Teleatendimento Ambulatorial: novo cenário de ensino médico e cuidado ao paciente, que avalia casos suspeitos e confirmados da doença no HU-UFS.
Foram observados 30 casos de trabalhadores da saúde que testaram positivo para a doença em duas ocasiões no intervalo médio de 50 dias no período de abril a julho do ano passado. Houve a recorrência dos sintomas mesmo após a recuperação clínica completa e a liberação do isolamento por 14 dias a partir do início da sintomatologia, e pelo menos 7 dias sem sintomas, e confirmada pelo RT-PCR no primeiro e segundo episódios da covid-19.
“São profissionais que estão mais expostos ao vírus no ambiente de trabalho e podem estar se reinfectando, já que notamos que a doença inicial não protegeu para a segunda infecção, como acontece com a maioria dos vírus. Portanto, pessoas que já tiveram a doença não podem pensar que não precisam mais se cuidar,” alerta Roque Almeida.
O descarte das amostras genéticas, por conta do excesso de exames processados e da falta de estrutura para armazenamento nos laboratórios, ainda é um entrave enfrentado pelos cientistas de um modo geral para atestar os casos de reinfecções na maioria dos estudos na área. A não preservação do material impossibilita a realização do sequenciamento genético.
Apesar de comprovar a reinfecção em apenas um caso, os pesquisadores conseguiram identificar mutações do novo vírus respiratório nos resultados de exames do segundo episódio de infecção.
“O sequenciamento viral revelou a presença da mutação A23403G. É uma variante comum em todo o mundo. Outro resultado importante foi a descoberta da mutação G25088T no vírus de um paciente que teve um resultado fatal. Outra mutação presente foi GGG28881AAC. O vírus desta amostra também tem várias outras mutações raras que são distintos dos dois vírus do outro paciente, que incluem um SNP em orf1ab (A6319G) e um em orf3a (T26149C) que eram apenas relatados em outros 22 casos virais do Brasil”, diz a publicação.
Colaboração científica internacional
A publicação na revista envolveu pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da UFS em parceria com a Divisão de Pneumologia do Instituto de Promoção e Assistência à Saúde dos Servidores do Estado de Sergipe (IPESAÚDE), Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN-SE), Instituto de Ciências da Saúde (UFBA), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), Instituto de Ciências Biológicas (UFMG), Centro de Biotecnologia e Genética (UESC) e Faculty of Medicine of Imperial College, em Londres, no Reino Unido.
Fonte: Portal UFS