No Brasil, 201 puérperas (mulheres que deram luz há no máximo 45 dias) perderam suas vidas para o novo coronavírus, segundo o mais recente boletim epidemiológico da Covid-19 divulgado pelo Ministério da Saúde, na última quarta-feira. O país lidera o ranking mundial nas mortes pela doença entre as mães de recém-nascidos. Esta é a conclusão de um estudo brasileiro publicado este mês na revista científica International Journal of Gynecology and Obstetrics.

No momento em que o estudo foi feito, o país contabilizava 124 óbitos entre gestantes e puérperas, o que representava 77% das mortes registradas no mundo.

De acordo com Paulo Gallo, professor de ginecologia da UERJ e diretor-medico da clínica Vida Centro de Fertilidade, diversas mudanças que ocorrem no organismo da mulher quando ela engravida podem justificar o risco aumentado para o desenvolvimento do quadro grave de Covid-19.

— A princípio, toda gestante é grupo de risco para viroses respiratórias. É assim para gripe comum, por isso que elas são uma das primeiras a tomar a vacina contra a gripe. Durante a gravidez, ocorre uma mudança no perfil imunológico da mulher, provavelmente, por uma ação hormonal. Acredita-se que esta mudança acontece para diminuir o risco de abortos espontâneos, já que metade da carga genética do embrião é diferente da genética da mãe. Portanto, é um corpo estranho que está crescendo dentro da mulher.

O Grupo Brasileiro de Estudos de COVID-19 e Gravidez — composto por obstetras e enfermeiras da Unesp, UFSCAR, IMIP e UFSC — comparou as informações do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do Ministério da Saúde, com os dados de mortalidade materna (desde o início da gestação até o puerpério) pelo novo coronavírus publicados em estudos internacionais. No entanto, as informações recolhidas nestes estudos eram de países de alta renda ou de média renda — onde o Brasil se encaixa. As pesquisadoras não encontraram nenhum trabalho científico que apresentasse dados da mortalidade de gestantes e puérperas em países de baixa renda.

Na visão de Carla Andreucci Polido, médica obstetra, professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e uma das autoras do estudo, o grande problema do Brasil são as barreiras que surgem no acesso à saúde.

— Se nos países de alta renda as mulheres não morrem e nos de média e baixa renda as mulheres estão morrendo mais, (o problema) é uma questão de acesso à saúde. As mulheres estão demorando a serem diagnosticadas e para serem admitidas no hospital — afirma a médica.

O estudo aponta que das 978 mulheres com diagnósticos positivos para Covid-19 no Brasil no período, 207 (21,2%) foram internadas na UTI (134 casos recuperados e 73 casos fatais). No entanto, 27,7% das mulheres que morreram não tiveram acesso a uma UTI. Das que tiveram, apenas 64% receberam ventilação invasiva, como o respirador mecânico. Nenhum suporte ventilatório foi oferecido a 14,6% de todos os casos fatais, enquanto os 21,4% restantes receberam apenas ventilação não invasiva.

— Isso mostra claramente a vulnerabilidade do nosso sistema de saúde, que historicamente vem apresentando falhas, tanto que temos uma razão de mortalidade materna muito alta para no nosso padrão econômico. Imaginamos que, com o impacto da pandemia, vamos ter as mortes por maternas por Covid-19 e as daquelas mulheres que não tiveram coronavírus mas que apresentaram complicações e não puderam ser atendidas porque o sistema de saúde estava falhando com elas — explica Carla.

A pesquisadora afirma que os achados do estudo publicado este mês ainda são preliminares e que no futuro, quando o grupo tiver acesso às bases de dados populacionais de outros países e aos dados completos do Brasil, será possível confirmar se o país realmente foi o com maior mortalidade materna em decorrência de Covid-19.

Fonte: Extra