A opinião que cada um tem sobre a doença, atrapalha a prevenção
Como aconteceu com o início da Pandemia do HIV, a visão de cada pessoa sobre a Covid-19 vem dificultando a adoção de medidas preventivas por grande parte da população. No caso da Pandemia do HIV, existia a ideia de que o vírus só atingia os gays, profissionais do sexo e usuários de drogas. As pessoas que não se “achavam nos grupos de riscos”, rejeitavam o uso do preservativo. Então, tínhamos dois grupos de pessoas: quem era contra o preservativo e quem era a favor.
Quem era contra o preservativo criava o que chamamos hoje de “Fake News”: inventava que o HIV passava pela camisinha, que a camisinha incentivava a precocidade da relação sexual dos jovens, que a camisinha ressecava o útero e prejudicava a mulher, que a camisinha não era eficaz na prevenção das outras IST – Infecções Sexualmente Transmissíveis e até diziam que “homem que é homem não usa camisinha”. Algumas pessoas não admitiam a existência da AIDS para não terem que modificar os seus comportamentos sexuais. Na época eu recebia muitas críticas por incentivar e orientar a população com relação ao uso correto do preservativo.
Muitas pessoas, naquela época, perderam as suas vidas simplesmente porque não usavam o preservativo, independente de orientação sexual. Vi perdas de vida entre senhoras idosas, pessoas casadas, crianças e jovens. Naquela época, sofri muito com o preconceito, pois diziam que eu era médico dos Gays e Prostitutas, por aceitar atender pessoas soropositivas ou que já tinha a Aids, o que levava muitas pessoas a não procurarem o meu consultório. Optei por encerrar os atendimentos no consultório, como Clínico Geral, e abraçar definitivamente a causa como sanitarista.
Quem acreditava na existência da AIDS e era a favor do preservativo, passou a incorporar a camisinha na sua vida sexual e até divulgar informações corretas sobre o uso, ajudando a proteger a população contra o HIV e outras IST – Infecções Sexualmente Transmissíveis e até evitando a gravidez não planejada.
Quem acredita e quem nega a Pandemia da Covid-19
No enfrentamento à Pandemia da Covid-19, a visão que cada pessoa tem sobre a doença também é o grande obstáculo na prevenção. Existem dois grupos de pessoas com relação a existência da pandemia: Os que acreditam que a Covid-19 é um grave problema de saúde e os que acham que é tudo mentira.
Os que acreditam na existência da Covid-19 e do seu impacto na vida das pessoas, divulgam as medidas preventivas, defendem o distanciamento físico e medidas restritivas, respeitam e lamentam as perdas de vidas em consequência do novo coronavírus e procuram proteger aquelas pessoas consideradas de “grupo de risco”, que são os diabéticos, hipertensos, cardiopatas, soropositivos para o HIV, obesos. São pessoas que, quando infectadas pela Covid-19 procuram não infectar outras pessoas, respeitando o isolamento recomendado. São pessoas que seguem as orientações médicas (não políticas).
As pessoas que não acreditam na Pandemia da Covid-19 formam um grupo que segue atitudes não preventivas e contra a ciência: criam e disseminam inúmeras “Fake News”; são contra o distanciamento físico diante de uma infecção cuja principal forma de contágio é de pessoa a pessoa; são contra o uso da máscara, expondo as pessoas ao risco de infecção ; não usam álcool em gel nas mãos, não se preocupando com a própria proteção; são contra as medidas restritivas dizendo que “as medidas invadem a privacidade das pessoas”; não dão importância à luta dos profissionais de saúde que estão na linha de frente; não respeitam as vidas perdidas em decorrência da Pandemia da Covid-19; minimizam os óbitos ou dizem que é mentira ou exagero da mídia ou que nos registros dos cartórios, o número de óbitos é bem menor; são pessoas que, quando estão infectadas pela Covid-19, muitas vezes negam a infecção e nem sempre procuram se isolar ou proteger as outras pessoas; são pessoas que defendem e participam das aglomerações. São as mesmas pessoas que continuam divulgando a cloroquina como medida preventiva ou curativa, mesmo sem nenhuma evidência científica à nível mundial. São as mesmas pessoas que divulgam o movimento contra as vacinas. Enquanto a comunidade científica do mundo inteiro tenta produzir uma vacina eficaz para imunizar a população contra o novo coronavírus, a desinformação aumenta. Vários vídeos, supostos áudios e mensagens compartilhadas em redes sociais contribuem para espalhar fake news relacionadas às vacinas.
A Pandemia da Covid-19 não pode ser vista como dois clubes de futebol ou dois partidos políticos onde um grupo é contra e outra a favor. Precisa ser vista como um grave problema de saúde pública onde todos são responsáveis pelo seu combate. Que as divergências políticas e de opiniões pessoais não sejam obstáculos para mudança de atitude da população.
Dr Almir Santana é médico sanitarista