Estamos vivendo um momento de pandemia de uma infecção cujo vírus tem, como principal forma de transmissão, o contato de pessoa a pessoa ou de forma indireta, compartilhando determinados objetos. Na Covid-19, 80% das pessoas infectadas são assintomáticas, em torno de 10% tem sintomas leves e 10% terá sintomas mais intensos, com a possibilidade de precisar de internação em enfermaria ou até em UTI.
O futebol é um esporte que, a todo momento, há o contato físico entre os atletas, estando na lista das atividades que mais expõem as pessoas ao risco de contágio do novo coronavírus.
No início de Agosto, diante das pressões políticas e de empresários ligados ao futebol, a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, determinou a volta do Campeonato Brasileiro. Este fato levou as federações de futebol de todo o país a trabalharem para acelerar os trâmites de retorno aos treinamentos com o intuito de concluir seus torneios estaduais. A volta antecipada gerou apreensão em atletas e funcionários de clubes expostos ao risco da Covir-19.
A CBF apresentou um protocolo sanitário que vem sofrendo mudanças , pois se trata de uma situação nova, que o mundo está vivendo.
O protocolo inicial apresentou várias falhas. Uma delas foi autorizar apenas um laboratório para realizar os exames dos atletas. A liberação dos resultados se tornou lenta, chegando poucas horas antes do jogo, levando a suspensão da partida com os atletas já em campo. Vários clubes tiveram verdadeiros “surtos” da infecção entre atletas e funcionários, como aconteceu com o CSA de Alagoas, o Corinthians, a Chapecoense que teve 26 pessoas com o teste positivo incluindo membros da diretoria, comissão técnica e elenco, e mais recentemente, o meu querido Flamengo.
Curiosamente, foi o Flamengo, o primeiro clube a reivindicar, junto à Presidência da República, a volta do futebol aos estádios. É importante lembrar que houve até o registro de um óbito do médico do Brusque de Santa Catarina e de um massagista do flamengo.
Na fase inicial do retorno do futebol, a CBF usou como estratégia, a realização de jogos em cidades com menor impacto da pandemia da covid-19. Foi o que ocorreu com a Copa Nordeste, onde os jogos aconteceram na cidade de Salvador, que na época tinha menor número de casos. Posteriormente essa estratégia foi abandonada pois a pandemia se expandiu para todas as capitais e para a maioria dos municípios.
São várias situações de risco de contágio para atletas e demais profissionais envolvidos com o futebol. Mesmo sem público nos jogos, o futebol provoca aglomerações de torcedores fora dos estádios. Antes e após as partidas e nos treinamentos, os atletas se reúnem nos vestiários e, as vezes compartilham alguns objetos. Durante a partida, um jogador marcando o outro, há a possibilidade de transmissão por gotículas respiratórias. Um estudo recente mostrou que os atletas atacantes são os mais expostos ao risco pois permanecem mais tempo (de 2 até 11 minutos) com os seus marcadores “colados” fisicamente, com a possibilidade maior de eliminação de secreções respiratórias.
Além dos riscos durante a partida, existem outras situações de risco que envolvem atletas, dirigentes e outros funcionários dos clubes: nos torneios interestaduais como a Copa Nordeste, o Campeonato Brasileiro (denominado por alguns jornalistas de “Cloroquinão 2020”) e torneios internacionais como a Taça Libertadores da América, vai ocorrer a exposição no transporte da delegação principalmente em ônibus e aviões, em aeroportos, nas concentrações em Hotéis com apartamentos compartilhados e refeitórios comuns. É importante lembrar que os atletas infectados vão ficar em isolamento e podem infectar familiares.
O protocolo sanitário atual determina que: os exames sejam descentralizados para laboratórios locais; a testagem seja ampliada para todos os atletas inscritos pelo clube nas competições em cada rodada, com 72 horas de antecedência a cada partida; Nova definição do envio dos resultados dos exames – 24 horas para o time mandante e 12 horas antes da viagem no caso de visitantes, o que permitirá que qualquer equipe proceda a troca de eventuais jogadores com teste positivo.
O novo protocolo permite que atletas testados positivos poderão ser escalados desde que tenham ficado isolados pelo menos 10 dias desde o primeiro diagnóstico. Esta norma é baseada no fato de que, depois do primeiro teste positivo de PCR, o isolamento de 10 dias é suficiente para que a pessoa seja liberada, uma vez que estando assintomática, não mais transmitirá o vírus.
Algumas atitudes solidárias estão sendo vistas em algumas partidas do Campeonato Brasileiro: clubes, divulgando na entrada do campo, faixas com mensagens lamentando as mortes por Covid-19 ou se rebelando contrário à volta do futebol. Uma determinação nunca vista no Brasil: é obrigatório, antes de iniciar qualquer partida, o respeito a um minuto de silêncio pelas pessoas que faleceram em consequência da covid-19.
Para mim, o futebol e a Covid-19 formam uma combinação perigosa. A CBF não cogita parar as competições. No entendimento da cúpula da entidade, os casos ocorridos estão dentro de uma “previsão” natural. Para a confederação, não há um surto, uma vez que os números maiores de casos ocorreram apenas em “poucos” times.
Foto: Emílio Garcia/UNSPLASH
Almir Santana, médico sanitarista