Morte de policial acirra debate sobre o fim do benefício, que está em um projeto de lei a ser votado no senado; para professor de Direito, ele ajuda na ressocialização dos presos, mas o problema está no cumprimento dos requisitos

O Senado Federal está prestes a votar projetos que buscam acabar com as chamadas “saídas temporárias”, benefício que autoriza detentos a deixarem os presídios para passar feriados e datas comemorativas com seus familiares. A pressão pelo fim do benefício, que é previsto na Lei de Execuções Penais, aumentou após o assassinato do policial militar Roger Dias da Cunha, 29 anos, que aconteceu no último dia 5, em Belo Horizonte (MG). O sargento morreu enquanto perseguia dois homens que tinham roubado um carro. Segundo a polícia mineira, um deles estava no regime semiaberto, recebeu o benefício mesmo com o parecer contrário do Ministério Público, e deveria ter retornado à cadeia no dia 23 de dezembro, mas estava foragido desde então e só foi preso depois de ter matado o policial.  

Um projeto de lei aprovado em agosto do ano passado pela Câmara dos Deputados está tramitando na Comissão de Segurança Pública do Senado e ainda não tem previsão para ser votado. Além da extinção do benefício da saída temporária, ele propõe a realização de exame criminológico para progressão de regime e o aumento das possibilidades de monitoração eletrônica de cada preso. A votação não aconteceu porque ainda não há consenso entre os membros da comissão, que divergem em questões como a eficácia das saídas temporárias como meio de ressocialização e o impacto que isso pode causar na segurança pública durante as datas comemorativas.

Atualmente, a saída temporária é prevista legalmente como um direito para quem está em regime semi-aberto, ou seja, preparando-se para o final do cumprimento da pena. Segundo a regra, cada saída tem até sete dias e poderá ocorrer quatro vezes ao ano, usualmente em datas como Carnaval, Páscoa, Natal e Ano Novo. 

O professor Ronaldo Marinho, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), explica que a exigência da lei é que cada condenado, para ter acesso ao benefício, tenha bom comportamento e já cumprido no mínimo 1/6 (um sexto) da pena, se for réu primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente. “Não terá direito à saída temporária o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo com resultado morte. Além disso, o juiz deverá avaliar se há compatibilidade do benefício com os objetivos da pena”, disse.

Ainda de acordo com Ronaldo, a lógica existente para o benefício é a ressocialização dos presos, como forma de recuperá-los e reintegrá-los à sociedade. “A pena de prisão tem a função punitiva, retribuindo pelo mal causado, mas tem a função reintegradora, de ressocializar o indivíduo que cometeu o crime. A saída temporária é uma das medidas de readaptação do apenado ao convívio social, já que ele está próximo de ganhar sua liberdade com o cumprimento do período de pena no regime semiaberto”, aponta.

O professor não vê nenhum impedimento constitucional na ideia de acabar com as saídas temporárias, mas não acredita que ela seja uma medida necessária. “Precisamos reorganizar a execução da pena no país, exigir maior controle e avaliação na concessão dos benefícios, limitar a saída temporária aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça a pessoa e impedir em todos os crimes hediondos. Uma medida interessante seria tornar mais gravosa a pena de quem saiu e não retornou, exigindo que o restante da pena seja cumprido integralmente em regime fechado”, sugere Marinho.  

Quantos voltam?

Um dos pontos que despertam mais controvérsia está na quantidade de detentos que deixam de retornar aos presídios após o fim do prazo da saída temporária. Em Sergipe, a taxa de evasão desses presos foi de 6% neste ano, enquanto a média nacional é de 4,3%. O professor acredita que não há uma relação direta entre a saída temporária de presos e o aumento da prática de crimes, mas sim um aumento da sensação de insegurança da população ao ver crimes que são cometidos por alguns dos beneficiados pelas saídas. E esta sensação, segundo ele, acaba ampliada pelas redes sociais com a repetição de fatos que aconteceram em outros estados e até em anos anteriores. 

Na visão de Ronaldo, o problema não está na saída temporária, mas sim no cumprimento dos requisitos para sua concessão. “Em virtude da superlotação das unidades prisionais e de excesso de processos que o juiz tem que analisar, pode ser que ele não tenha tempo suficiente de avaliar com maior detalhe cada caso e, com isso, impedir a saída de algumas pessoas que ainda são perigosas. De qualquer forma nós precisamos mudar a lei e os requisitos”, ressalta.

A discussão sobre as saídas temporárias também colocam em discussão as condições atuais do sistema carcerário brasileiro, que está entre os maiores do mundo. Segundo dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), citados na edição 2023 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 832.295 pessoas estavam presas em 2022, sendo 826.740 no sistema penitenciário e outros 5.555 em delegacias e distritos policiais. Somadas, as unidades de todo o sistema penitenciário brasileiro contam com 596.162 vagas, mas faltam 230.578 vagas nas cadeias, presídios e penitenciárias do país, em sua grande maioria com superlotação e estrutura precária.

Ronaldo Marinho conclui que estas são as questões que deveriam ser melhor discutidas quanto ao tema da saída temporária. “Entendo que precisamos investir mais no sistema penitenciário, melhorar as condições de execução da pena, humanizá-la, porque a prisão deve se cumprida com dignidade e condições de recuperar o cidadão, com políticas públicas de acompanhamento das pessoas que saíram da prisão, com o objetivo de integrá-las socialmente e evitar a reincidência”, considera.