Senado começa a discutir proposta de substituição do atual Código, em vigor desde 1965 e complementado por outras quatro leis; proposta aprovada em setembro pela Câmara não foi apreciada

Com a aproximação das eleições municipais de 2024, aumentam os debates sobre as regras que organizam esse processo, bem como as tentativas de mudar estas regras. Houve uma tentativa recente na Câmara dos Deputados, que aprovou no dia 14 de setembro uma “minirreforma” composta por dois projetos que alteram leis relativas ao processo eleitoral no Brasil. Ela chegou a ser mandada para o Senado Federal, que no entanto decidiu não apreciá-la, mas sim acrescentá-la a outro projeto, mais amplo, de revisão estruturada do próprio Código Eleitoral, que ainda vai tramitar em sua Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). 

Com essa decisão, o Senado decidiu fazer passar o prazo fixado para que qualquer mudança nas leis tivesse validade agora nas Municipais 2024, isto é, as novas leis teriam até o dia 6 de outubro para serem aprovadas pelo Senado e sancionadas pelo presidente da República. Agora, qualquer mudança só valerá para ser aplicada nas eleições gerais e presidenciais de 2026. 

“O fato é que esses dois projetos implicam alterações abrangentes, complexas e relevantes, nas Leis atualmente vigentes que regulam o processo eleitoral. Com isso, a minha percepção é que os senadores não tiveram tempo hábil de se debruçar sobre cada uma das alterações propostas e assim evitaram que se aprovasse de forma açodada algo tão complexo e que, com certeza, traria impacto profundo na legislação que iria ser aplicada nas eleições de 2024”, analisa José Eduardo Macêdo, professor do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit) e doutor em Direito Político e Econômico. 

O atual Código Eleitoral brasileiro é de 1965 (Lei nº 473), que acaba complementado pelas regras e direitos previstos na Constituição Federal de 1988 e em quatro leis específicas: a de Inelegibilidade (Lei Complementar nº 64/1990), a da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), a dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995) e a das Eleições (Lei nº 9.504/1997). Em cima desta legislação, cada eleição é regrada por resoluções anuais definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O professor destaca que a própria Carta Magna determinou que o Congresso fizesse um novo Código Eleitoral, por Lei Complementar, o que ainda não aconteceu. “Isso se dá, penso, porque o Supremo Tribunal Federal, há alguns anos atrás, já se posicionou e declarou que o Código Eleitoral de 1965 foi recepcionado pela Constituição de 1988. Assim, o Brasil conduz o processo eleitoral regido pelo Código Eleitoral antigo (incompleto e sem contemplar todas as inovações que foram chegando a exemplo de biometria, urnas eletrônicas, etc.), e também pelas Leis Ordinárias que foram surgindo para permitir a evolução da tecnologia, da propaganda eleitoral, dentre outros temas”, afirma Eduardo.

As principais propostas

Uma das propostas mais polêmicas foi a possível anistia a multas e punições para partidos e candidatos que infringiram as leis eleitorais em quesitos como prestação de contas, inelegibilidade, repasse de verbas para candidaturas femininas e cumprimento das cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras. Essas punições, que chegam até à cassação dos mandatos, seriam atenuadas para pagamentos de multas ou flexibilizadas. 

Macêdo discorda da ideia de minimizar ou revogar as multas e punições para crimes eleitorais, argumentando que ela passa um mau sinal para a população e para o próprio estado de direito. “Um simples cidadão ao infringir uma norma qualquer sofre na pele a punição pela infração, sem dó e sem perdão. Não acho justo que determinada categoria não possa ser punida mesmo comprovadamente tendo infringido a lei. Ademais, esses crimes eleitorais ofendem a democracia e a liberdade do voto. Por isso, reputo a gravidade desses delitos que, ao meu ver, devem ser punidos severamente e não serem anistiados”, opina ele.

Outra mudança proposta pela Câmara foi a proibição das chamadas “candidaturas coletivas”, nas quais um grupo de candidatos se apresenta para tentar ocupar uma única vaga na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas ou Câmaras de Vereadores, e que foram permitidas em 2021 por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

As alterações consideradas menos polêmicas foram a simplificação das prestações de contas a ser feita pelos partidos e candidatos, a legalização das doações de campanha através do Pix ou de “vaquinhas”, a redistribuição do tempo de TV dos candidatos e a obrigação de que os municípios forneçam transporte público gratuito aos eleitores nos dias de votação, o aumento das garantias de proteção para vítimas de violência política e a ampliação do prazo de afastamento de servidores públicos, policiais, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública que queiram concorrer a um cargo eletivo. 

O professor da Unit considera que estes são pontos importantes, sob o aspecto negativo e sob o aspecto positivo, mas alerta que eles precisam ser mais conhecidos e debatidos publicamente. “Há sim necessidade de ampliar para a população esses pontos, para que possa se ter uma caixa de ressonância e a sociedade possa mostrar sua indignação naquilo que não contribui para as eleições e para a alternância de poder, bem como enfatizar os pontos positivos, de modo a permitir sua melhoria e aperfeiçoamento, inclusive abrangente outras situações ali não alcançadas”, diz ele, ressaltando que o eleitorado brasileiro, em razão da falta de educação política e cidadã, está cada vez mais “apático e dissociado dos temas relacionados à política e do debate”. 

Asscom Unit com informações de TRE/SP, O Globo e Agência Senado

Foto: Jeferson Rudy/Agência Senado