As mudanças causadas pela pandemia do novo coronavírus, principalmente as relações sociais dentro de casa, chamaram a atenção e acenderam um sinal de alerta. Riscos ocultos, como a violência doméstica, têm apresentado um aumento na incidência durante o período de distanciamento social em diversos estados brasileiros.
“Embora estar em casa seja seguro para evitar a propagação do coronavírus, para muitas mulheres e meninas a segurança do lar é perdida pelo aumento da intensidade da convivência com agressores e abusadores”, comenta a professora do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes e pesquisadora do Grupo de pesquisa Gênero, Família e Violência, Grasielle Vieira.
“A casa passa a ser o local mais perigoso, pois é onde ocorrem a maioria dos atos de violência, abusos sexuais e feminicídios. O país já tem um altíssimo índice de violência doméstica contra meninas e mulheres, com o distanciamento social isso iria piorar, com certeza”, acrescenta.
De acordo com a nota técnica “Raio X da violência durante o isolamento”, do Ministério Público de São Paulo – Núcleo de Gênero, o número de mulheres assassinadas em casa quase que dobrou durante a quarentena. Os pedidos de medidas protetivas de urgência aumentaram em 29% e o de prisões em flagrantes dos agressores em 51%. No Rio de Janeiro, os números da Justiça registraram aumento de 50% nos casos de violência doméstica.
“Apesar de estarmos atravessando ainda o período da quarentena e não sabemos quando irá acabar, temos números altos e preocupantes. Além de tudo, muitos casos não são denunciados tornando-se uma cifra oculta”, afirma a pesquisadora.
Em Sergipe, a realidade não é diferente. Dados das ocorrências encaminhadas ao Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis – DAGV – mostram que durante os 31 dias do mês de março, foram contabilizados 230 casos, contra 112 no mesmo período do ano passado. “Esperava-se o aumento, já que as mulheres, filhas e filhos em situação de violência, estariam mais vulneráveis e com chances limitadas de pedir ajuda”, frisa.
Entre os fatores apontados para o crescimento estão o desemprego, o isolamento social da vítima, o consumo de álcool e drogas e o comportamento controlador do companheiro. “Outro vetor importante são as consequências econômicas da pandemia, que afetam diretamente a renda das mulheres, em primeira instância as trabalhadoras informais, assim como as trabalhadoras domésticas, cuidadoras de crianças durante os fechamentos das escolas. Esse impacto econômico pode adicionar barreiras para deixar o parceiro mais violento”, enfatiza a docente.
“Por outro lado, aumenta a tensão dentro do lar que sobrecarrega as mulheres, recaindo sobre os seus ombros a responsabilidade exclusiva de cuidar da casa e dos filhos, fruto de uma cultura patriarcal, que nos remete a um problema estrutural da sociedade. Além de tudo, muitas dessas mulheres ainda precisam trabalhar de forma remota e cuidar das crianças em casa ao mesmo tempo”, complementa.
Para a especialista, apesar do distanciamento social, é preciso que as vítimas saibam que não estão sozinhas. “Parte da sociedade está isolada em casa, e com a proximidade de lares estão percebendo que isso não é um problema invisível, mas real. Estamos vendo as mobilizações de Organizações não governamentais e Institutos, conscientizando a sociedade por meio das Redes Sociais”, salienta Grasielle.
“Outra forma de como buscar ajuda é por meio da Central de Atendimento à Mulher que funciona 24 horas com suporte para vítimas e testemunha, número 180. Também tem sido realizada uma divulgação de cartilhas de como se proteger e quais os direitos da mulher protegidos por lei”, ressalta a professora.
“É importante também estarmos sensíveis para perceber casos de violência e nos mobilizar para oferecermos ajuda a elas, no contexto das vizinhanças, com redes de ajuda e apoio”, finaliza.
Portaria do CNJ no combate à violência doméstica
Com o objetivo de fortalecer o combate à violência doméstica, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Portaria 70/2020, instituiu um Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos para a indicação de soluções voltadas à prioridade de atendimento das vítimas de violência doméstica e familiar ocorrida durante o isolamento social.