Supremo vai retomar julgamento de ação que define a quantidade que cada usuário pode ter sem ser preso, enquanto o Congresso quer tornar crime qualquer posse destas drogas

A polêmica da vez entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) é a questão da descriminalização das drogas, em torno da qual acontecem dois importantes movimentos jurídicos. No Judiciário, a Corte volta a julgar na próxima segunda-feira, 6, um recurso da Defensoria Pública Estadual de São Paulo que contesta a punição contra um detento flagrado com uma pequena quantia de maconha dentro de sua cela. Na prática, a decisão pode deixar de considerar o porte de drogas para uso pessoal como crime, o que já tem o placar favorável de 5 votos a 3. Já no Legislativo, a Câmara dos Deputados vai começar a discutir uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já aprovada em dois turnos pelo Senado Federal, que, se aprovada, tornará crime o porte e a posse de qualquer quantidade de drogas ilícitas. 

A questão da chamada “PEC das Drogas” levanta duas linhas opostas de argumentação na sociedade. De um lado, a de que a não diferenciação entre traficantes e usuários, a partir de uma quantidade pré-definida, vai agravar ainda mais a superpopulação dos presídios e cadeias, prejudicando principalmente as pessoas negras e pobres, que teriam das autoridades um tratamento desigual em relação aos brancas e ricos. Do outro, a de que os usuários de drogas financiam e incentivam o tráfico de drogas e outros crimes, como roubos, assaltos e homicídios, sendo por isso igualmente passíveis de punição. E outros movimentos aproveitam o momento para defender a regulamentação do uso e da produção de drogas ilícitas

Atualmente, o artigo 5º da Constituição Federal prevê o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, como um dos “crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia”, mas não traz uma diferenciação clara sobre quem pratica o tráfico e quem é apenas usuário. 

“A ação que o STF está julgando é a quantidade de drogas que pode constituir crime. No caso específico do tipo penal, ‘portar ou possuir drogas para consumo próprio’, que está previsto na lei de drogas, ele identifica que seria inconstitucional a criminalização desta conduta. Então, o recurso só vai dizer que não constitui crime o porte e a posse de droga para consumo próprio. E a tendência é que o STF também estabeleça a quantidade de drogas que não pode ser constituída como tráfico”, esclarece o professor Ronaldo Marinho, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), ao explicar que o objetivo do recurso no Supremo “não é sobre legalização das drogas”. 

Já sobre a “PEC das Drogas”, o professor diz que, na prática, o texto da proposta quer incluir no artigo 5º da Constituição a definição de que “qualquer quantidade de drogas, após o porte dela, constitui crime”, reafirmando uma posição que já existe na legislação atual, apesar de não prever penas de prisão. “Hoje, por portar ou possuir qualquer quantidade de drogas consideradas drogas ilícitas estabelecidas pela portaria do Ministério da Saúde, essa pessoa não vai ser encarcerada nunca, porque não tem previsão legal”, informa Ronaldo, descartando a possibilidade de impacto da PEC no aumento da população carcerária. 

Questão de saúde 

O debate cada vez mais acirrado sobre a criminalização da posse de drogas também passa pela dependência química, que é considerada uma doença e vem sendo encarada por muitos especialistas como um problema de saúde pública. Dados do Ministério da Saúde, compilados pela Agência Senado, mostram que, apenas no ano de 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. 

Para o professor Ronaldo Marinho, essa questão precisa ser enfrentada de forma muito aberta e transparente com a sociedade, ouvindo todos os atores e setores. “Nós sabemos que a sociedade civil deve ter uma força muito poderosa de fala e de potência, porque ela é quem sofre as consequências das drogas e da legislação quando ela não está adequada à nossa realidade. Precisamos, na verdade, discutir políticas públicas de atenção, porque é um problema seríssimo de saúde pública, que precisa ser enfrentado e que depende de políticas públicas de atenção ao dependente químico. Infelizmente, nós não temos uma política pública adequada para enfrentar esse tema”, alerta.

Autor: Gabriel Damásio

Fonte: Asscom Unit