Quando o assunto é Cannabis Medicinal em Sergipe, Dra. Mirene Morais é uma das referências da área no estado. Com grande experiência em UTI, onde atua há 20 anos, ela fez pós-graduação em Dor pelo Hospital Sírio Libanês, além de realizar certificações em Cannabis Medicinal pela Wecann e pela Unicamp, ampliando os conhecimentos científicos na área.  Recentemente palestrou na Assembleia Legislativa de Sergipe em uma Audiência Pública sobre o assunto. 

Em entrevista, a médica detalhou porque a Cannabis Medicinal é considerada uma grande ferramenta para a área de dor e de outras patologias e como está essa ferramenta terapêutica em Sergipe, que segundo ela segue a passos lentos e com foco na conscientização das potencialidades dos medicamentos com base na Cannabis. O Brasil possui vários Projetos de Lei em relação à Cannabis Medicinal que estão parados à espera de regulamentação necessária para que o uso se expanda para além das importações dos medicamentos, hoje liberados pela ANVISA.  No país já são mais de 200 mil pacientes em uso de Cannabis Medicinal, seja via associações, importações e farmácias. Um contexto em franca expansão.    
 
A Cannabis para fins medicinais se utiliza de várias propriedades da planta Cannabis, chamados de fitocanabinóides para o suporte a diversas patologias que podem ser moduladas com a ferramenta da Cannabis, mas principalmente na dor crônica, nas epilepsias refratárias, em quadros de ansiedade, insônia e estresse pós-traumático. No suporte a doenças como câncer para controle de náuseas, dor e melhora do apetite. Pode ser usado principalmente para levar melhor qualidade de vida nas doenças neurológicas degenerativas, como o Parkinson, doenças demenciais a exemplo da doença de Alzheimer e nos casos de pacientes autistas, adultos ou crianças com grande dificuldade de interação social e comportamentos agressivos mais severos. 
 
“Os compostos mais conhecidos são o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol) e atuam principalmente na regulação de um sistema no nosso organismo chamado de sistema endocanabinóide, que organiza todo equilíbrio do nosso corpo através do efeito anti-inflamatório, anticonvulsivante e antioxidante dos Fitocanabinóides. Conheci as potencialidades da Cannabis para fins medicinais na pós-graduação do Sírio Libanês, em uma aula onde discutimos sobre dor na criança em cuidados paliativos. A paixão pelo estudo do nosso sistema endocanabinóide e das múltiplas potencialidades dos compostos existentes na planta no nosso organismo é o que move o cuidado com meus pacientes hoje”, explica Dra. Mirene.  
 
Em Sergipe há poucos médicos com conhecimento na área da medicina canabinóide e principalmente sob o preconceito quanto ao tratamento por se tratar de uma planta de grande estigma negativo na nossa sociedade em geral e também no meio médico por falta de conhecimento do assunto. “Sigo com foco na disseminação da temática em minhas redes sociais, junto ao legislativo, onde tive a oportunidade de discursar sobre o tema na Assembleia Legislativa de Sergipe no semestre passado a convite de ex-deputada Maria Mendonça, assim como realizei em conjunto com o grupo da Farmácia da UFS liderado pelo Dr. Lysandro Borges o primeiro Simpósio em Cannabis Medicinal da UFS, que foi um sucesso. Meu consultório hoje tem foco na medicina de dor e na Cannabis Medicinal e temos dezenas de pacientes acompanhados em todo estado e também fora de Sergipe, seja presencialmente ou por telemedicina”, conta.  
 
O trabalho com foco na cannabis medicinal inclui a inserção de vários componentes da planta no arsenal terapêutico que já temos para as mais diversas patologias. Isso já é possível desde 2015 quando a Anvisa iniciou o processo de autorização dos componentes da planta para fins medicinais. “Os estudos em Cannabis no mundo já são realizados a fundo há algumas décadas e temos a experiência de vários países que já introduziram a Cannabis para fins medicinais há muitos anos, a exemplo de Israel, Canadá e Estados Unidos”, afirma.  
 
É possível utilizar vários compostos da planta a exemplo do CBD e do THC na forma de medicamentos orais (principalmente em forma de óleos usados em gotas), em cápsulas, cremes, gel tópico, gummies , supositórios, óvulos vaginais e também o uso vaporizado para doenças mais graves. A área dermatológica vem crescendo no mundo com produtos para pele ricos em CBD. 
 
Os benefícios do uso da Cannabis vêm da possibilidade da estimulação pelos canabinóides da planta em nosso organismo através do sistema endocanabinóide que é natural em nosso corpo e que compreende um conjunto de receptores, principalmente os receptores CB1 e CB2 que estão em todas as nossas células e que se acoplam como um sistema de chave fechadura, levando ao equilíbrio das funções orgânicas. “Todos os animais e em especial os mamíferos têm este sistema endocanabinóide altamente especializados e equilibrados com os outros sistemas do nosso organismo, e muitos estudos concordam que ele foi essencial para nossa sobrevivência como espécie. Assim, não só humanos podem ser beneficiados como também os outros animais, a exemplo dos pets”, esclarece Dra. Mirene.  
 
No Brasil, o panorama que se tem hoje é a questão da regulamentação necessária para o uso da cannabis medicinal se expanda. Temos a possibilidade de importação dos medicamentos vindas de várias empresas de cannabis pelo mundo. Já temos remédio importado na farmácia, temos as Associações que são por via habeas corpus coletivo no Brasil. Todos as formas de aquisição de medicamentos à base de Cannabis Sempre necessitam de receita médica e acompanhamento médico. A expansão necessária é para além das medicações importadas, para que elas possam ser produzidas em solo nacional, para que as empresas de Cannabis Medicinal possam produzir e extrair no Brasil, não atrelado ao dólar, para que as Associações consigam ser regulamentadas, e produzam o produto nacional, e que o produto na farmácia se torne mais atrativo financeiramente. Temos grandes Associações como a Abrace na Paraíba e a Apepi no Rio de Janeiro”, detalha Dra. Mirene. 

Para conseguir remédio à base de cannabis hoje no Brasil há quatro formas. “Via prateleira da farmácia desde 2015, que é bastante caro, importação de qualquer lugar do mundo via correio, Associações de cultivo coletivo e habeas corpus individuais”, destaca. 

 
Vários Projetos de Lei no Brasil quanto a cannabis medicinal estão parados à espera de regulamentação. “O principal e primeiro deles, o PL 399/2015, que versa sobre toda regulamentação da Cannabis Medicinal e do cânhamo, escrito por Fábio Mitidieri enquanto deputado federal em 2015, ainda está parado apesar de múltiplas revisões e sem data para ser reconsiderado. A vida não espera e o Brasil não pode manter décadas de atraso em relação à Cannabis Medicinal”, alerta.  
 
Milhares de pacientes poderiam estar sendo beneficiados pelas múltiplas potencialidades dos medicamentos, que quando bem conduzidos por médicos e equipes multidisciplinares com experiência e estudos nesta área trazem resultados altamente positivos. “Um campo imenso para diversos profissionais, sejam médicos, agrônomos, botânicos, farmacêuticos, veterinários e diversos outros que poderiam movimentar nossa economia e em conjunto trazer alento para várias condições de saúde, muitas vezes condições delicadas. Além da geração de diversos empregos que poderíamos estar movimentando no Brasil com a planta de cânhamo, uma espécie de Cannabis sem potencial psicoativo, usada mundialmente na indústria de tecidos, cosméticos, plástico biodegradável e na construção civil inclusive. São inúmeras as potencialidades do cânhamo na economia. Somos um país agro e poderíamos ser expoentes desta área no mundo, precisamos avançar”, finaliza.

Fonte: Rodrigo Alves, Jornalista. Fotos: divulgação.