Medida que já virou lei em 20 estados e pode ser aprovada na Câmara é vista como uma tentativa de diminuir a dependência do uso de telas, mas especialistas defendem o uso dos aparelhos para atividades pedagógicas
A Câmara dos Deputados vai votar em plenário, até o final deste ano, um projeto de lei que busca proibir o uso de celulares em salas de aula nas escolas da educação básica. Um texto apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos/PR), em substituição a outros 14 projetos semelhantes, já foi aprovado pela Comissão de Educação da Casa, mas ainda passará por outras comissões temáticas antes de chegar ao plenário. Se aprovada, a lei vai impedir o uso de celulares e outros aparelhos em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e nos intervalos entre as aulas, além de proibir o porte de celular por alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. As exceções seriam para condições médicas e atividades de fins médicos, pedagógicos, de inclusão e acessibilidade.
A restrição aos celulares nas escolas já começou a vigorar em 20 estados brasileiros, através de leis estaduais. E no último dia 12, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, por unanimidade, a proibição dos dispositivos nas salas das escolas das redes pública e privada do estado. Para entrar em vigor, a lei aguarda a sanção do governador Tarcísio de Freitas.
As justificativas mais comuns para a proibição dos celulares em sala de aula são a diminuição da dependência excessiva que crianças e adolescentes vêm desenvolvendo em relação ao uso de telas, o que é apontado como causa de transtornos e doenças mentais como depressão, ansiedade e outros problemas; a proteção desse público contra abusos e ataques de hackers e criminosos; e a restrição do acesso a conteúdos considerados impróprios, como pornografia, drogas, violência, linguagem imprópria e apostas eletrônicas.
Por outro lado, os contrários à medida acreditam que ela seria um retrocesso para os estudantes, num momento em que as tecnologias e a conectividade estão se integrando cada vez mais às práticas pedagógicas e ao mercado de trabalho. Muitos especialistas na área educacional defendem que estudantes e professores utilizem celulares, tablets ou smartphones em atividades pedagógicas, ou seja, acompanhando as aulas, pesquisando informações complementares e executando tarefas relacionadas ao conteúdo ministrado em sala de aula.
“As questões que relacionam Educação e Tecnologia demandam uma análise mais profunda do que a simples dicotomia de proibir ou liberar. O que a gente precisa, na verdade, é compreender o papel da tecnologia na sociedade contemporânea, porque ela muda a nossa forma de vida, o modo como a gente interage e como a gente se comunica. É também uma linguagem que essas crianças e esses adolescentes possuem na sociedade atual”, opina a professora e pesquisadora Alana Danielly Vasconcelos, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes (PPED/Unit).
Por outro lado, ela sustenta que o próprio uso dos aparelhos deve ser feito com cuidados, evitando-se que ele se torne um fator de distração para os alunos. “O professor em sala de aula precisa estar ali com uma formação adequada para utilizar esse recurso como um apoio pedagógico, para que ele não se torne uma distração do processo de aprendizagem. A gente sabe que de fato existe o bullying virtual, a falta de concentração… e isso tudo são problemas reais que afetam a criança e o adolescente quando ele leva esse recurso tecnológico para a sala de aula sem essa orientação pedagógica adequada”, observa Alana.
Caminhos para o uso equilibrado
O caminho para lidar com o uso de celulares por crianças e adolescentes, diminuindo a dependência do uso de telas, passa por um maior diálogo e alinhamento dentro das famílias, com os pais e responsáveis orientando diretamente os filhos e estabelecendo regras e limites. Alana Vasconcelos considera que a família é um elemento muito importante nesse contexto.
“Não adianta só a gente legislar para proibir esse uso sem que a gente tenha também o diálogo com as famílias. Porque se a gente não contar com o apoio da família, de nada adianta todo um esforço educacional de trazer a perspectiva da melhoria da educação colocando um equilíbrio na utilização desses recursos digitais e consiga de fato trabalhar melhor a aprendizagem. É preciso que as frentes que estão nessa discussão se lembrem de dialogar com a família, porque faz ela parte do processo de aprendizagem”, alerta.
No âmbito educacional, outro caminho traçado é o da educação midiática, na qual as pessoas são ensinadas a lidar com os conteúdos das mídias tradicionais e on-line, filtrando a veracidade de cada conteúdo e utilizando-o de forma ativa e crítica, seja no ambiente presencial ou no digital. Este tipo de educação pode inclusive ajudar na superação de algumas dificuldades e desafios encontrados na realidade atual da educação brasileira, como as deficiências em leitura, interpretação e feitura de cálculos simples.
“A gente precisa ter um trabalho forte de fazer uma educação que prepare esses estudantes, independente da idade que eles tenham, para serem participantes ativos e críticos em qualquer ambiente que eles estejam, seja no ambiente presencial ou no ambiente digital. Eu acredito que o trabalho precisa ser muito direcionado para uma perspectiva de uma educação midiática, onde a gente entenda que o problema não é só a tecnologia em recurso, mas [a forma] como ela é utilizada”, diz a professora, destacando ainda que a educação midiática é um fator que precisa ser levado em conta nas políticas públicas voltadas à educação.
Fonte: Asscom Unit, com informações da Agência Câmara