A morte de um familiar é um momento difícil para algumas pessoas, mas pode se tornar uma oportunidade de recomeço para outras. É o que traduz o processo de doação de órgãos e tecidos, quando uma família decide ajudar outra a salvar uma vida.

De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil é o segundo maior transplantador do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, e é referência na área de transplantes, dispondo do maior sistema público de transplantes do mundo, com cerca de 96% dos procedimentos no país financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Em Aracaju, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Nestor Piva, localizada na zona Norte da capital, é pioneira na realização do protocolo de doação de córneas em Sergipe. A iniciativa partiu da coordenação da Unidade de Estabilização e da gestão da UPA, quando decidiu capacitar a equipe para identificar doadores em potencial.

Segundo explica o coordenador da Unidade de Estabilização do Nestor Piva, médico Reginaldo Freitas, com o apoio da gestão da unidade foi feito o contato com a Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Estado para iniciar essa capacitação.

“Desde a terceirização modificamos todo o processo de trabalho da Estabilização. Melhoramos tanto na assistência quanto na abordagem familiar, cuidados com os pacientes e familiares, a parte de humanização. Como estamos trabalhando esta parte da abordagem, entramos em contato com a OPO, que regula a central de transplantes. A OPO forneceu toda a estrutura para que fosse possível instituir dois tipos de protocolo aqui na unidade”, explicou o médico.

A gestora hospitalar da UPA Nestor Piva, Jória Dias, explicou que a administração do hospital prontamente aprovou a iniciativa da Unidade de Estabilização em qualificar a equipe e iniciar esse trabalho de captação de córneas.

“Hoje somos o primeiro hospital municipal do estado de Sergipe apto a participar desse protocolo. Então é um ganho, em apenas um ano de administração, o Hospital Nestor Piva fazer parte do protocolo de captação de órgãos. Estamos aprimorando as equipes de enfermagem, de assistência social para poder mobilizar a família do doador e poder ajudar famílias que necessitam”, destacou.

Protocolos
Um dos protocolos a que o coordenador da Estabilização da UPA se refere é o de diagnóstico por morte encefálica (ME), quando ocorre a perda completa ou irreversível das funções cerebrais, situação que geralmente envolve pacientes em coma ou lesões cerebrais graves. “Já estamos preparados para fechar o diagnóstico de ME, que é um protocolo mais difícil de acontecer aqui na unidade, mas temos óbitos por outros motivos e que também podem apontar um doador de córnea”, explicou Reginaldo Freitas.

Três médicos do Nestor Piva passaram por treinamento específico e estão habilitados a realizar o diagnóstico de ME. A segunda parte da capacitação envolve as equipes de enfermagem para identificar o doador em potencial e abordar de forma correta a família para tratar sobre a doação.

Segundo a Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Estado, atualmente, em Sergipe, cerca de 200 pessoas aguardam por um transplante de córnea. Mesmo sendo a meta principal de qualquer unidade de saúde salvar vidas, existem casos onde o óbito é inevitável.

Diante desses casos, antes do protocolo não havia profissionais capacitados para identificar doadores em potencial. A partir desse treinamento já é possível fazer essa identificação, realizar a captação de córneas e auxiliar na redução do tempo de espera dos pacientes que necessitam do transplante.

Primeiras captações de córneas
Conforme orienta a Portaria nº 2.600, de 21 de outubro de 2009, que aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes, na seção VII, que trata sobre Módulo de Tecidos Oculares, “serão aceitos doadores com idade maior ou igual a 2 anos e menor ou igual a 80 anos, que não apresentem riscos de transmissão de doenças através do enxerto”.

No dia 6 de janeiro deste ano, foi registrado o óbito de uma pessoa que atendia aos requisitos para doação das córneas. Tratava-se de uma paciente do sexo feminino, 59 anos e a causa da morte foi decorrente de problemas cardíacos.

Segundo informações da enfermeira Renata Katiely Santos Batista, que atua na Unidade de Estabilização do Nestor Piva e acompanhou o procedimento, durante a ocorrência do óbito, a unidade estava recebendo a visita de uma enfermeira da OPO, que prontamente iniciou o procedimento de abordagem da família.

“Depois que o médico informou a família sobre o óbito eu e a enfermeira da OPO fomos abordá-la para saber se a paciente em vida falava do desejo, e que com a doação ela poderia ajudar outras pessoas. A família não aceitou de primeira, mas durante a entrevista trabalhamos a empatia e deixamos o familiar livre para aceitar ou não. Depois eles retornaram à unidade e pediram para explicar como seria o processo. Explicamos que o procedimento não deixa nenhuma lesão e que não causa nenhuma deformidade. Eles aceitaram e assinaram um termo autorizando o procedimento”, explicou Renata.

E nesta quarta-feira, 22, foi realizada a segunda captação de córnea na UPA Nestor Piva. O doador tinha 61 anos, era do sexo masculino e veio a óbito devido complicações cardíacas. Ao ser entrevistada pela equipe, a família também optou por autorizar a doação.

OPO
A Organização de Procura de Órgãos (OPO) é responsável pela captação de órgãos em todo o estado. O trabalho consiste na busca ativa de doadores em potencial, que estejam com quadros críticos em unidades hospitalares, sejam da rede pública ou privada. E no caso específico do possível doador de córneas, ele pode ser tanto pelo diagnóstico por morte encefálica (ME) quanto por parada cardiorrespiratória (PCR).

Registrado o óbito, a unidade entra em contato com a Organização para a busca pela doação do órgão ou tecido. Em Sergipe, a OPO é responsável pela regulação de transplantes e atua juntamente com a equipe da unidade que notificou a possibilidade de captação.

“Fazemos a entrevista familiar para a doação, e sendo autorizada fazemos a enucleação, que é a retirada do globo ocular com a córnea. A nossa intenção junto ao Nestor Piva, é capacitar a equipe para identificar, nos casos de óbitos, doadores de córnea em potencial. Para isso, os profissionais fazem a avaliação do prontuário e do diagnóstico para doação. A equipe vai fazer a entrevista com a família, preencher a documentação e vai nos notificar para fazer a retirada do globo ocular lá”, afirmou a coordenadora da Organização de Procura de Órgãos (OPO), Ana Paula Rocha Barrel Machado.

PMA