Transtorno que afeta cerca de 1% da população é conhecido por provocar tiques nervosos involuntários; ele ainda não tem cura, mas seus sintomas podem ser minimizados com tratamentos específicos
Um projeto de lei em discussão no Senado Federal pode incluir as pessoas que têm a chamada Síndrome de Tourette, distúrbio neuropsiquiátrico que provoca tiques nervosos, no rol das Pessoas com Deficiência (PCDs). A proposta já foi aprovada em dezembro pela Comissão de Assuntos Sociais da casa legislativa, mas ainda aguarda a apreciação de outras comissões temáticas, antes de seguir ao Plenário. O objetivo é permitir que as pessoas com esta condição tenham acesso a direitos e políticas públicas garantidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, como o de estacionar veículos em vagas reservadas e o de participar de concursos públicos para vagas específicas, entre outros.
A síndrome, descoberta por volta de 1884 pelo médico francês Georges Gilles de la Tourette (1857-1904), atinge aproximadamente 1% da população, segundo estimativas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), e acomete sobretudo os jovens. Entre os casos mais conhecidos, está o do ex-jogador britânico David Beckham, o do ator canadense Dan Aykroyd e o do lutador brasileiro “Antônio Cara-de-Sapato”, que admitiu a condição na edição do ano passado do reality show Big Brother Brasil, da TV Globo.
O transtorno é carregado de estigmas e incompreendido por muitas pessoas, que acabam associando-o ao comportamento humano. Sua marca principal é a presença de tiques motores e vocálicos, como a repetição explosiva e involuntária de palavrões e xingamentos (também chamada coprolalia), repetições de palavras ditas por si ou outras pessoas, ou mesmo gestos como movimento de braços e pernas, piscadas de olho, caretas, tossidas, gemidos e cusparadas.
“Os tiques são quadros neurológicos em que a pessoa realiza movimentos ou sons involuntários, estereotipados, conseguindo em alguns momentos suprimir esses movimentos ou sons, porém com sensação de necessidade de realização para aliviar uma tensão que surge caso fique muito tempo sem realizar o movimento”, detalha o médico neurologista Helton Benevides, professor do curso de Medicina da Universidade Tiradentes (Unit), destacando ainda que a condição afeta tanto a funcionalidade, principalmente pelos movimentos involuntários, como também as relações sociais e interpessoais, por meio do incômodo social.
Algumas pesquisas científicas mostram que a Síndrome de Tourette pode ser causada por predisposições genéticas, anomalias em neurotransmissores ou mesmo lesões de traumatismo em determinadas áreas do cérebro, que serviriam de “gatilhos” para os tiques. E ainda pode se associar a outros transtornos de saúde mental desenvolvidos por esses pacientes, como ansiedade, depressão, bipolaridade, déficit de atenção (TDAH) e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC).
Tratamentos possíveis
Ainda de acordo com Benevides, ainda não existe cura para a Síndrome de Tourette, mas os tratamentos minimizam os sintomas, a ponto de melhorar os movimentos e diminuir os sons involuntários. “O tratamento para Síndrome de Tourette deve ser individualizado, sabendo também que a própria doença pode manifestar-se com períodos de remissão de sintomas, sendo optado até pela retirada de drogas nesse momento. O acompanhamento com especialistas é extremamente importante para orientação sobre cada sintoma, tratamento específico e orientações sobre planejamento e prognóstico. O neurologista especializado em transtornos do movimento assim como psiquiatra ajudam nesse segmento”, diz ele.
O professor da Unit destaca que muitas pesquisas estão em andamento para aperfeiçoar os tratamentos contra os sintomas da Tourette. Alguns deles envolvem terapias cirúrgicas neurofuncionais em andamento para controle dos tiques nesses indivíduos. Outros dizem respeito ao uso de medicamentos, principalmente os derivados em substâncias presentes na planta cannabis sativa: o THC (tetrahidrocanabinol) e o canabidiol, liberado com restrições pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e cujo uso foi admitido por “Cara-de-Sapato” durante o BBB 23.
“O canabidiol age em receptores tanto centrais como periféricos endocanabinoides que tem ação de modulação de muitas tarefas, como humor e atividade cerebral”, explica Helton, referindo-se a um tipo de neurotransmissores presentes no sistema nervoso. Porém, ele ressalta que o uso deste medicamento ainda não tem evidências científicas com grandes estudos controlados que mostram eficácia e segurança para uso na Síndrome de Tourette. “Pode ser sim uma opção, até baseado na experiência do médico que acompanha, mas não devendo ser optado como terapia única, nem como opção para retirada das terapias já comprovadas de benefício. Até o momento, poucas doenças neurológicas e psiquiátricas têm comprovação através de estudos robustos de eficácia e indicação do uso da cannabis medicinal no tratamento adjuvante’, completa o neurologista.
Asscom Unit