Relação entre estas áreas foi indicada a partir das conclusões de uma pesquisa feita no Japão; professora de Odontologia explica como as doenças da boca podem agravar ou ser agravadas por fatores externos, como baixa autoestima, ansiedade e pouca socialização
Idosos que possuem problemas de saúde bucal têm mais chance de ser afetados também em sua saúde mental e em seu bem-estar emocional. Esta é a conclusão de uma pesquisa realizada no Japão, com 218 pacientes idosos acompanhados por professores e pesquisadores da Universidade de Okayama. O estudo, publicado desde novembro do ano passado pelo portal científico Public Library of Science (PLoS), se baseou em exames médicos e odontológicos, além de questionários sobre saúde geral e qualidade de vida.
Os cientistas japoneses indicam no estudo que parte dos idosos com problemas de saúde bucal também são afetados por questões ligadas à vida social e à saúde mental, como a solidão, a reclusão e a falta de sociabilidade. E que ambos os aspectos são agravados pela questão nutricional, isto é, maus hábitos de alimentação e o uso excessivo do álcool e do cigarro. De acordo com a pesquisa, “a condição bucal pode influenciar o bem-estar subjetivo através do estado nutricional”, bem como tais associações serem “influenciadas por características ambientais”.
Este e outros estudos realizados no Brasil e pelo mundo consideram a existência de uma relação direta entre saúde bucal e saúde mental. Segundo a professora Guadalupe Sales Ferreira, coordenadora do curso de Odontologia da Universidade Tiradentes (Unit), pessoas que não têm uma saúde bucal adequada enfrentam problemas relacionados à autoestima, à pouca socialização e a menos oportunidades de emprego, o que acaba interferindo negativamente na saúde mental.
Um dos principais problemas bucais é a halitose, conhecida também como mau hálito. “Ela também tem essa relação direta por ser uma condição que interfere na autoestima, na socialização, na empregabilidade das pessoas que têm esse mal”, resume Guadalupe. Ela aponta que esse problema pode estar relacionado a causas sistêmicas ou corporais, como problemas na garganta ou no sistema digestivo, mas que são minoria. “Já tem estudos que revelam que 80% dos problemas de halitose estão relacionados à cavidade bucal e não a problemas sistêmicos. É por isso que os problemas bucais são a principal causa do mau hálito”, acrescenta, orientando que a pessoa nesta condição deve procurar o atendimento de um cirurgião-dentista.
Outros problemas
Entre os outros problemas bucais mais recorrentes, estão desde questões estéticas, relacionadas ao formato e à coloração dos dentes, até doenças como cárie, má mastigação, lesões na gengiva (periodontia) e a perda de dentes (edentulismo). É aqui que entram os problemas de comprometimento sistêmico das funções como mastigação e deglutição, que representam o início do processo de digestão de alimentos.
“Se a pessoa não consegue fazer uma mastigação adequada, isso pode gerar problemas no aparelho digestivo e comprometer uma parte desse processo de digestão. Então, a questão também é nutricional, porque acaba que algumas pessoas evitam alguns alimentos, principalmente pelo problema da falta do dente”, afirma a professora da Unit, que se refere ainda aos casos de perda total de dentes, condição que afeta aproximadamente 16 milhões de brasileiros, segundo dados de um levantamento feito em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele mostra também que outras 39 milhões de pessoas usam próteses dentárias.
Há ainda os casos em que a saúde bucal acaba piorada por transtornos e problemas de saúde mental. Guadalupe cita como exemplo o estresse e a ansiedade que são associadas ao bruxismo, no qual uma pessoa aperta e range os dentes, geralmente à noite, e pode causar o desgaste dos dentes (a depender da severidade) e da articulação entre o crânio e a mandíbula, responsável pela função de abrir e fechar a boca (aqui chamada de DTM ou disfunção temporomandibular). Outro transtorno é a bulimia, na qual as pessoas vomitam depois das refeições e acaba levando o ácido do estômago para a boca, criando o risco de uma lesão cavitária nos dentes.
Como enfrentar
Os idosos aparecem como mais vulneráveis aos problemas de saúde mental associados à saúde bucal e ao estado nutricional, como mostra a pesquisa japonesa. No entanto, a realidade brasileira do momento aponta que os problemas bucais, principalmente a cárie e a perda de dentes, afetam mais as comunidades em situações de pobreza e miséria. “Infelizmente, são os grupos que têm uma condição socioeconômica pior, que têm menos acesso à informação, à prevenção, aos serviços de saúde. Os adultos e idosos sofrem mais com a perda dentária, e isso influencia diretamente na saúde mental das pessoas, com certeza”, diz Guadalupe.
Para a professora, o conceito de saúde não se resume mais à ausência de doença, mas está ampliado ao conceito de bem estar biopsicossocial. E esse conceito deve ser aplicado em políticas públicas que priorizam a saúde nesse contexto mais ampliado. “Bem estar, acesso à educação, à informação, à prevenção, a serviço de saúde e renda, porque a gente sabe que doença está diretamente ligada à condição socioeconômica das pessoas. É por aí que a gente consegue, porque só considerando saúde como ausência de doença, a gente não trabalha todas essas questões necessárias e não adianta só você ter a parte curativa do problema”, conclui.
Autor: Gabriel Damásio
Fonte: Asscom Unit