Depois que a Secretaria Municipal da Saúde encaminhou a documentação dos médicos estrangeiros e dos brasileiros que se formaram no exterior para o Conselho Regional de Medicina (Cremese), para que um registro provisório fosse emitido, os profissionais passaram por uma semana de preparação, cursos, conheceram a estrutura do hospital e a distribuição dos pacientes até começarem, de fato, a trabalhar. 

Porém, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu as licenças provisórias para que médicos que ainda não passaram pela revalidação pudessem atuar. Apenas no Hospital de Campanha Cleovansóstenes Pereira Aguiar, em Aracaju, 32 profissionais (18 cubanos e 14 brasileiros formados no exterior) deixaram de atuar no enfrentamento à covid-19, ocasionando, com isso, o fechamento de leitos e comprometendo do atendimento na unidade.

A médica cubana Danely Velázquez Marrero, que concluiu o curso em 2013 e veio para o Brasil em janeiro de 2017, tendo trabalhado até a ruptura do contrato do Mais Médicos, em novembro de 2018, foi uma das que viram no Hospital de Campanha uma oportunidade para voltar ao mercado de trabalho e exercer a profissão.

“Fiquei totalmente decepcionada, porque a população carente será a mais afetada”, afirma Danely. De fato, com a saída dos médicos, o número de leitos disponíveis foi reduzido consideravelmente, passando de 102 para 60. “É decepcionante para nós que trabalhamos com amor e defendendo a vida e a saúde do povo, principalmente de quem mais precisa”, reforça Danely.

Ela destaca que, enquanto a Justiça os impede de trabalhar, a Secretaria da Saúde tenta contratar médicos com registro. “Mas, até agora, a contratação foi mínima, só foi possível ampliar os leitos com a nossa chegada. Sem a gente, o número de mortes vai aumentar, porque os pacientes não conseguirão ser admitidos no hospital”, diz ela. 

O médico alagoano Bruno Gonzaga Feitoza também estava atuando no Hcamp. Formado na Bolívia desde 2018, ele não estava atuando na área por não ter passado por um processo de revalidação do diploma, já que o último foi ainda em 2017. Bruno deu seus primeiros plantões no HCamp nos últimos dias 5 e 6, quando, logo em seguida, foi surpreendido com a decisão de suspensão dos registros. 

Desde então, sente-se impotente. “Porque nós não estamos nessa posição porque queremos. Estamos há mais de três anos nesse impasse e com uma oportunidade como essa, de fazer valer a pena os seis anos de estudos e cuidar de quem necessita, não podemos fazer nada”, afirma Bruno.

“Nós sabemos da nossa capacidade, estávamos atuando de forma exemplar, vimos a real necessidade de profissional médico na unidade, mas infelizmente o corporativismo médico desregrado dos Conselhos Regional e Federal não deixou isso acontecer”, lamenta o profissional.

Yslenis de Armas, médica cubana, chegou há quatro anos ao Brasil, pelo Mais Médicos. Através do programa, trabalhou no interior da Bahia até a ruptura do contrato, quando veio para Sergipe aguardar por uma reincorporação. “Daí aconteceu a pandemia e manifestamos o desejo de apoiar esse atendimento, já que era necessário ter mais profissionais”, lembra.

Segundo ela, com mais médicos disponíveis, é possível atender a mais pacientes. “E com poucos médicos, é preciso decidir qual paciente atender, por prioridade, o que vai acontecer em Aracaju é isso”, critica Yslenis, que diz ter voltado ao campo de trabalho feliz e motivada, cheia de força de vontade. Hoje, porém, o sentimento é outro. 

“O pico da doença vai começar agora em julho. Eles precisarão da gente e a gente tem a maior disponibilidade para trabalhar, por isso me sinto constrangida, triste, porque vão precisar de nós. A  covid é uma doença em que o paciente agrava rápido, e a gente está de mãos atadas, sem conseguir ajudar”, lamenta.

Ou seja, há demanda e oferta de mão de obra e os profissionais estão impedidos de atuar. “Nossa documentação já foi analisada e nossa capacidade, comprovada; assim como a veracidade de nossa formação. Temos diploma e não conseguimos demonstrar que somos médicos, isso é revoltante. Estou sofrendo, porque vi a realidade e sei que os pacientes precisam de nós”, reforça a médica.

Agora, os profissionais esperam que essa briga judicial acabe o mais rápido possível e que eles possam, de fato, cumprir o juramento de salvar vidas. “A gente espera que a decisão seja revertida, porque o que acontece é que estávamos num quantitativo em torno de 15 médicos por plantão, com essa saída repentina, baixou para 3 ou 4, reduzindo leitos e comprometendo o atendimento”, alerta Bruno.

Fonte: PMA