Estigmas criados em torno das pessoas que vivem com o vírus causador da AIDS ainda persistem; Médicos garantem que tratamento correto com medicamentos e exames periódicos garantem melhor qualidade de vida aos pacientes
O mês de dezembro marca a campanha Dezembro Vermelho, de prevenção contra as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e contra o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), que é o agente causador da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Um dos principais focos está em reforçar a prevenção contra a transmissão destas infecções, informando principalmente sobre o uso do preservativo nas relações sexuais.
Mas o que mais tem ganhado força nas campanhas do tema é o combate ao preconceito que ainda existe e afeta as pessoas que convivem com o vírus - o que também é chamado de “sorofobia”. No dia-a-dia, muitas destas pessoas se queixam do afastamento de amigos e parentes, dos olhares enviesados ou desconfiados de outras pessoas, das perguntas indiscretas e, principalmente, de julgamentos baseados em informações erradas e concepções falsas sobre o vírus HIV e sobre a AIDS.
Tais distorções surgiram da forma como a doença foi tratada pelo grande público assim que os seus primeiros casos foram confirmados, nos Estados Unidos, por volta de 1981. Segundo o médico infectologista Matheus Todt, professor do curso de Medicina da Universidade Tiradentes (Unit), a doença era vista na época como um ‘câncer’ que só atingiria homens gays e de classe média que frequentavam saunas. No entanto, os perfis de pessoas que vivem com o vírus e dos que foram desenvolvendo a doença se diversificaram por todas as camadas da sociedade.
“A gente já viu e passou ao longo das décadas pela heterossexualização da AIDS. Ela começou a pegar o público feminino, os casais heterossexuais, começou a envelhecer populações, houve pessoas cada vez mais velhas adquirindo a infecção. Começou também a pauperizar: a gente via mais gente com AIDS em camadas socioeconômicas mais abastadas, e hoje ela está presente nas camadas mais pobres. A infecção pelo HIV, na verdade, permeia toda a população”, detalhou Todt.
Um fator complicador no combate ao HIV - e ao preconceito - é o tempo que uma pessoa com o vírus pode passar sem manifestar qualquer sintoma. “A pessoa quando infectada pelo vírus HIV, pode ter uma fase inicial que parece uma gripe, depois de duas, quatro semanas do contágio, que a gente chama de síndrome retroviral aguda. E depois o paciente vai ter uma média de seis anos totalmente assintomático. Aos pouquinhos, a imunidade vai caindo e o vírus vai se multiplicando”, explica Matheus.
Estigmas x vida normal
O estigma que se enraizou em boa parte da sociedade prejudica não apenas as campanhas de prevenção contra o HIV, mas também o tratamento e o acolhimento das pessoas que convivem com ele. “Mesmo sabendo como acontece a transmissão do vírus, muita gente evita contatos, ou por exemplo a troca de materiais ou lugares de uso coletivo como o banheiro”, exemplifica o jornalista Saullo Hipólito, que trabalha no Centro de Comunicação Social (CCS) da Unit e convive com o HIV há mais de cinco anos. “Vivemos numa sociedade extremamente racista, misógina, LGBTfóbica e sorofóbica. E no caso de uma pessoa que vive com o HIV, o preconceito vem de todas as esferas, classes e comunidades”, desabafa Saullo.
Em consequência disso, muitas pessoas desconhecem que uma pessoa com HIV pode sim levar uma vida normal, desde que mantenha a regularidade nos exames e no tratamento com os medicamentos antirretrovirais. Hoje, são 22 aprovados e distribuídos através do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo o AZT (zidovudina), que conseguem baixar drasticamente a chamada ‘carga viral’ e anular a multiplicação do HIV no organismo. O uso diário de medicamentos deve ser acompanhado por uma alimentação balanceada, uma rotina de exercícios físicos e um maior cuidado com a saúde mental, através de terapias e outras atividades, além da realização de exames médicos em períodos que podem ser de seis meses ou de um ano.
“A gente tem que ter a conscientização de que, tendo uma exposição sexual de risco, uma exposição por drogas intravenosas, a gente tem que procurar realmente a testagem, porque a AIDS é prevenção, prevenção diagnóstico da também para a costa. Quanto mais rápido a gente diagnostica, mais rápido a gente trata, e o paciente vai retomar uma vida totalmente saudável e totalmente normal”, alerta Matheus Todt, que acrescenta: “A AIDS é uma doença infectocontagiosa que é tratável. Então, se ninguém tem preconceito ou vergonha de ter hipertensão, diabetes, etc, a gente também não pode ter preconceito de ter HIV”.
Justamente para disseminar estas informações, esclarecer dúvidas e desmentir afirmações falsas sobre o vírus, Saullo decidiu criar o perfil @infoposithivas, no Instagram. Seu objetivo, segundo ele, é mostrar que a discussão sobre o HIV tem que ser um assunto constante e por todo o ano, além de inspirar pessoas que vivem com o vírus a cuidar melhor de si. “Falar abertamente sobre o tema é dar voz a outras pessoas. Dar voz a uma comunidade muitas vezes silenciada, que precisa, ainda em 2023, esconder que vivem com o vírus HIV para não sofrer represálias no trabalho, dentro da família ou do ciclo de amigos. O preconceito é grande na nossa sociedade e nós só conseguiremos combatê-lo através da informação”, define o jornalista.
Asscom Unit