Olhar para o mundo com mais atenção é algo que muitas pessoas só percebem quando não conseguem enxergar por algum problema na visão. Em alusão ao 'Setembro Verde', mês dedicado à conscientização sobre a doação de órgãos, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) destaca a importância da doação de córneas. Histórias de superação, como de pacientes que passaram por múltiplos transplantes e recuperaram a visão, mostram como este gesto de solidariedade é capaz de devolver a independência, a esperança e a alegria de viver.

É o caso do delegado de polícia, Bruno Santana, que realizou o transplante de córnea há dois anos. Ele disse que foi um procedimento necessário diante do risco de perfuração da córnea, o que exigiu antes um transplante chamado tectônico, feito de forma preventiva para evitar complicações maiores. Mas a história dele com transplantes começou bem cedo. "Fiz o primeiro transplante aos oito anos, após uma infecção neonatal. Como a córnea é um tecido avascular, qualquer pessoa pode ser doadora, mas no meu caso a cicatrização impediu a passagem da luz para o cérebro, o que levou à necessidade do transplante", relembrou.

No total, Bruno passou por quatro transplantes. O segundo aconteceu aos 21 anos, quando já estava na universidade. "A córnea, assim como outros tecidos do corpo, tem uma espécie de validade, relacionada à expectativa de vida e às condições de saúde. No meu caso, houve falência da córnea e precisei de um novo transplante". O terceiro veio aos 30 anos, também por falecimento da córnea, seguido do transplante tectônico. "Agora, graças a Deus, este último é definitivo. O que me permite estar aqui, vendo e conversando com vocês", destacou.

O delegado lembra que cada transplante o fez refletir sobre a importância da doação de órgãos. "Tenho que cuidar desse órgão, que veio graças a uma família que, em meio à dor da perda, permitiu que eu pudesse viver melhor. Isso é um legado que eu honro todos os dias. Não conheço os doadores nem as famílias, mas sei que este gesto de cidadania e solidariedade é o que me permite estar aqui. A doação de órgãos não é apenas solidariedade, é um ato de cidadania. É permitir que outra pessoa continue vivendo, trabalhando, convivendo, relacionando-se. É algo que transcende religião, espiritualidade ou crença. É a chance real de transformar vidas", concluiu Bruno.

Dados

De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), Sergipe possui demanda estimada de 206 transplantes de córneas, 137 de rim, 57 de fígado, 18 de coração e 18 de pulmão. Em 2024, o estado superou a meta de córneas, realizando 226 procedimentos desse tipo. "Sergipe viveu um cenário positivo no campo dos transplantes de córnea. Naquele ano, a lista de espera chegou a ser zerada, já que a quantidade de doadores permitiu atender todos os pacientes que aguardavam há menos de um ano pelo procedimento", detalhou a gestora do Banco de Olhos de Sergipe, Flávia Borges.

Em 2025, até o mês de agosto, cerca de 217 pessoas aguardam por um transplante de córnea no estado. No mesmo período, foram realizados 145 transplantes de córneas ópticas destinados a devolver a visão, 14 transplantes de córnea tectônica usados em situações emergenciais para preservar a estrutura do olho e 1 transplante de esclera, tecido utilizado em reconstruções.

Acesso

Segundo a coordenadora da Organização de Procura de Órgãos de Sergipe (OPO/SE), Darcyana Costa, quando alguém precisa de um transplante de córnea, o primeiro passo é procurar um médico oftalmologista especializado nesse tipo de cirurgia. O profissional avaliará se realmente há indicação para o transplante e faz o cadastro do paciente no sistema nacional que organiza a fila de transplantes. "Enquanto isso, o Banco de Olhos de Sergipe acompanha os registros de óbitos por parada cardiorrespiratória. Quando a pessoa falecida não apresenta nenhuma condição que impeça a doação, a equipe entra em contato com a família para oferecer a possibilidade de doar as córneas. Se a família autorizar, o Banco de Olhos faz a retirada, prepara e preserva as córneas, além de cadastrar o doador no sistema nacional", disse Darcyanna.

A partir desse processo, as córneas ficam disponíveis para a Central de Transplantes de Sergipe, que organiza a distribuição entre os pacientes da lista. Quando surge uma compatibilidade, a Central avisa os médicos transplantadores sobre a disponibilidade do tecido. O médico do receptor confirma o aceite e agenda a cirurgia de transplante.