A resolução recente do órgão é uma tentativa de controlar o uso abusivo do medicamento indicado para tratamento de insônia; procura pelas chamadas “drogas Z” preocupa os médicos, que alertam para o risco de dependência e outros efeitos colaterais

O zolpidem, medicamento indicado para o tratamento da insônia de curta duração em pacientes com dificuldades de adormecer e/ou manter o sono, está agora com critérios mais rígidos para a sua prescrição médica e sua venda em farmácias. A partir do próximo dia 1º de agosto, entra em vigor uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que torna obrigatória a exigência da Notificação de Receita B, também conhecida como “receita azul”, para a venda em farmácias de qualquer medicamento que tenha o zolpidem em sua composição, independente da quantia de concentração da substância. 

A mesma resolução vai exigir que o profissional de saúde responsável pela prescrição desse medicamento seja cadastrado previamente pela Vigilância Sanitária local. Já as embalagens destes medicamentos terão que ter a tarja preta, ao invés da atual tarja vermelha, e em cumprimento às normas de uma portaria do Ministério da Saúde que regula a venda e fabricação de medicamentos controlados. A agência deu aos fabricantes um prazo de adaptação, que termina em 1º de dezembro deste ano. 

A decisão da Anvisa foi motivada principalmente pela alta expressiva da venda e do consumo dos medicamentos à base de zolpidem, que vem provocando uma alta nos casos de doenças e transtornos relacionados à dependência destes remédios. Além disso, o órgão considerou que não há dados científicos que demonstrem que concentrações de até 10 mg do medicamento mereçam um critério regulatório diferenciado. 

De acordo com a professora Ingrid Borges Siqueira, dos cursos de Farmácia, Nutrição e Gastronomia da Universidade Tiradentes (Unit), o zolpidem já faz parte da lista de substâncias psicotrópicas da norma de substâncias controladas no Brasil. “Ele é um hipnótico, que encurta o tempo de indução ao sono, reduz o número de despertares noturnos e aumenta a duração e qualidade do sono. Seu uso deve ser o menor possível e, assim como para todos os hipnóticos, não deve ultrapassar quatro semanas”, diz ela, lamentando contudo que tenha havido nos últimos anos um crescimento descontrolado do uso e da venda destes medicamentos.

“Tudo começou quando a patente da medicação expirou [em 2007]. Com isso, abriu-se a possibilidade de outros laboratórios começarem a fabricar o produto como um genérico, e assim aumentaram as propagandas de destaque dos benefícios do medicamento. A procura pelo público é impulsionada por sua eficácia, rápido início de ação, e a crescente prevalência de problemas de sono na população”, afirma Ingrid, pontuando que, “embora o zolpidem seja uma opção eficaz para o tratamento de curto prazo da insônia, o risco de dependência é uma preocupação significativa, levando a uma necessidade do uso da medicação para o paciente, por meio de uma síndrome de abstinência”.

Outras contraindicações do zolpidem são a hipersensibilidade ao princípio ativo ou a qualquer um dos componentes da fórmula; insuficiência hepática severa e agravamento dos casos de insuficiência respiratória severa ou aguda. O uso inadequado, principalmente se combinado com álcool, drogas ou outros remédios, oferece riscos de overdose, e depressão respiratória grave. “Há ainda relatos de pessoas que realizaram atividades complexas como dirigir, comer, ou fazer chamadas telefônicas enquanto não estavam plenamente conscientes após tomar zolpidem, e ainda a falta de lembrança. Algumas condições podem ser agravadas, como a relação de problemas de saúde mental, o uso inadequado de zolpidem pode exacerbar problemas de saúde mental, como depressão e tendências suicidas, especialmente em indivíduos predispostos”, diz a farmacêutica. 

Z de perigo

Não é apenas o zolpidem que passa por uma onda de crescimento do uso inadequado, classificada pelos médicos brasileiros como “uma epidemia”. Substâncias como a zaleplona, o zopiclone e o eszopiclone, também chamadas de “medicamentos Z”, entraram no mercado com a promessa de serem mais seguras, tendo menor potencial de abuso e de transtorno aditivo em relação aos remédios da classe dos benzodiazepínicos, como o rivotril. 

Ingrid explica que a questão pode estar associada a fatores sociais, como questões econômicas, desemprego, insegurança e mudanças em geral, que contribuem para o aumento do estresse e dos problemas de sono. Segundo ela, muitos médicos prescrevem recorrem a tais substâncias como uma solução rápida para insônia, mas sem explorar completamente opções não farmacológicas ou considerar os riscos de dependência. “É válido ressaltar que a sociedade contemporânea frequentemente prefere soluções rápidas e eficazes para problemas de saúde, levando ao aumento do uso de medicamentos em vez de intervenções comportamentais ou terapias de longo prazo”, aponta.

As mudanças determinadas pela Anvisa para a venda do zolpidem são classificadas pela professora da Unit como “um passo na direção certa”, mas ela ressalta que outras medidas precisam ser adotadas em conjunto. “É ampliar campanhas de educação e saúde, para informar o público sobre os riscos de dependência e abuso das ‘drogas Z’. E oferecer treinamentos contínuos para médicos, farmacêuticos e outros profissionais de saúde sobre os riscos associados ao uso inadequado ou irracional destes medicamentos, bem como apresentar alternativas não farmacológicas para o tratamento da insônia. Em geral, a colaboração entre governos, profissionais de saúde, comunidades e organizações não governamentais é essencial para abordar este problema de maneira eficaz e sustentável, conclui Ingrid. 

Autor: Gabriel Damásio

Fonte: Asscom Unit